A calda vermelha, lisa, quente precipitada pelo queijo recém saído do
forno, fumegante.
O cheiro que invade a cozinha disputa agora gentilmente o espaço com o aroma da calda da romã açucarada e cozida no vinho do
porto.
Os meus olhos acompanham a calda escorrer pelas bolhas que vão ficando
cada vez mais calmas e exaustas.
O som das bolhas é adorável.
É preciso esperar antes de provar, muito quente queimaria a língua e
impediria que os sabores pudessem ser percebidos em toda a sua potência.
Com um garfo… troco olhares de cumplicidade, já posso puxar o queijo
com uma invasão da calda, sente-se o aroma mais de perto, com olhos fechados, agora
é a textura lisa e derretida que tenta escapulir do garfo, é preciso levar à boca.
Encosto aos lábios para sentir a temperatura, lambo-os para adivinhar o que vem, coloco na boca e
sinto tudo acomodar-se, o salgado invade primeiro todas as cavidades , depois a
doce e a acidez dançam.
É bom.
Quero saber o que o outro sente.
É bom?
Como é?
Descrevemos um ao outro.
Seria bom que nunca acabasse o momento mágico festivo de acrescentar a
saliva, de mastigar e engolir e ser engolida pelos sentidos.
Calma.
Prazer.
A experiência erótica aguça os sentidos e faz com que todo os corpos em
contornos, reais ou imaginários, sejam protagonistas.
Não é necessário consumar o ato sexual para ter uma experiência
erótica e a cerimônia libidinosa envolve estimular a imaginação para que os
corpos despertem e os sentidos atuem em toda a sua potência.
Experiências que nos envolvem e por isso somos humanos.
Comemos pois queremos sentir prazer e se queremos prazer, criamos fantasias
e permitimos imaginar: os fluxos sanguíneos ativam-se no cérebro.
Para Espinoza, um encontro entre dois corpos deve criar alegria e um
encontro pode ser feito de alguém e as palavras de alguém, dois alguéns, entre
um olhar e um sorriso, entre um vinho do porto e romãs e entre a poesia e o
mundo que a recebe.
A alegria gerada seria então como a polpa que envolve as sementes de
romãs e preenche seu interior, dando brilho e suculência à vida.