Quando nascemos, depois de soltarmos o grito inaugural,
comer é a primeira coisa que fazemos. Guiados pelos instintos da sobrevivência
e da sucção, procuramos o leite da vida no seio materno, cálido fluído de amor
que nos aconchega e sustenta. Nos oceanos das palavras dos dicionários, navegam
cardumes de termos poéticos, práticos, eruditos, parolos e galhofeiros relativos
à comida, ao acto de comer e a quem o pratica: embuchar, presigo, vitualha,
manjar, empanzinar, empanturrar, emborcar, pitéu, petiscar, lambareiro, sardanapalo,
alambazar, desgorgomilado, alarve, viandeiro, termos que provam a importância
do acto de comer, um acto que nos acompanha a existência e sem o qual não
existimos. Comer é, desde tempos imemoriais, muito mais do que o mero gesto de
levar alimentos à boca e saciar a ditadura da fome. Ao acto de comer associamos o prazer, um
deleite apetecível, tentador, pelo Cristianismo carimbado de pecado, a
insaciável gula, um dos sete pecados mortais punido com jejuns, abstinências e outras
penitências mais, valha-nos a absolvição do Papa Francisco que, volvidos
séculos de castração pantagruélica, gritou ao Mundo serem as práticas sexuais e
as prazerosas comezainas dádivas divinas isentas de anátemas. Abençoada seja a omnipresença
de Deus na cama e na mesa. Ámen. Comer é um acto impregnado de simbologia. Comer
é um acto de amor. Cozinhar também. Ouvimos e concordamos com o dito, Esta
comida foi feita sem amor, quando o almoço, a ceia ou o jantar foram a
trouxe-mouxe despachados entre tijelas, tachos e gamelas, porque a cozinha é um
templo e casar ingredientes envolve as fragâncias crescentes dos perfumistas, a
entrega espiritual dos budistas, a perseverança dos escritores, a sabedoria dos
dotados e a dedicação dos enamorados. Cozinhar e comer são experiências
sensoriais de laivos celestiais, trocas de afectos, motes para juntar
familiares e amigos, celebrar efemérides, festejar a vida na partilha. Comer é
uma viagem, uma descoberta de sabores, um conhecer outras gentes, outras
culturas, outros mundos no Mundo, mundos infindáveis de cores, paladares e
odores que nos abrem à vida, ao convívio, à mesa, ao delicioso mundo da
gastronomia, um misterioso caminho que percorremos acompanhados, colados às
memórias e às sensações da infância, que nos leva a mergulhar nesse manancial
de vivências e degustações, um caminho ao qual chamamos, num quixotesco
simbolismo, a Rota do Guardanapo.
@joanaparisrito